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Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922

Português, Brasil

Professor Alex Beigui
Professor Alex Beigui do Departamento de Artes da UFOP

 

Para falar um pouco da Semana de 1922, convidamos o professor Alex Beigui do Departamento de Artes da UFOP. Para ele, a Semana de 1922 marca não apenas um momento de ruptura estética, mas torna-se um referencial para reflexões críticas acerca da identidade nacional no país. Podemos falar de uma pré-semana de 1922; um durante a semana e um pós-semana. Para além da quebra do cânone, e a partir do impulso crítico gerado com a exposição de Anita Malfatti em 1917 e 1918, artistas e intelectuais também movidos pelo ímpeto experimental e caráter inovador, presentes já nas obras Memórias Sentimentais de João Miramar de Oswald de Andrade e  Prefácio Interessantíssimo de Mario de Andrade, ocupam o Teatro Municipal com o objetivo de um projeto cultural para além do academicismo e da reprodução subalterna da arte europeia.

 

Outro aspecto importante, ressaltado pelo professor Alex Beigui é a repercussão e influência que a Semana de 1922 exerceu no modernismo e mesmo na arte brasileira contemporânea.

 

“A Semana de certa forma nasce cindida. De um lado a Comissão Organizadora formada por artistas mais conservadores como João Carlos Macedo Soares, Graça Aranha, Paulo Prado, Alfredo Pujol, René Thiollier; de outro, aqueles movidos pela potência de atualização como Mario e Oswald de Andrade, Villa Lobos, Antônio Moya, Brecheret e o próprio, com algumas ressalvas, Di Cavalcanti” 

 

Todo o movimento promovido pela Semana de 1922 surge da necessidade de uma resposta ao ambiente artístico da época, o que significava também repensar as correntes que aprisionavam escritores, músicos e artistas plásticos ao pensamento europeu. Nesse fluxo, destacam-se revistas importantes, através das quais, o pensamento desses artistas era difundido, tais quais: O papel e a tinta e a Klaxon. Além de periódicos, as crônicas nos jornais Correio Paulistano e no Jornal do Comércio serviram de moldura para efetivação do movimento proposto.

 

Alex Beigui destaca a necessidade de pensar a Semana para além do contexto de 1922 e entende-la em um contexto expandido, de cujas representações e valores de alguma forma somos todos herdeiros. O professor destaca que mesmo não havendo consenso entre a crítica acerca dos reais impactos da Semana no pensamento estético e político brasileiro, é inegável a força com que as obras produzidas exerceram no pensamento estético nacional; um divisor de águas, antecipando inclusive uma visão decolonial acerca da arte e mesmo da política.  

 

“Tal atitude decolonial já estava presente no título do famoso artigo de Ronald de Carvalho Os Independentes de São Paulo, ponto inicial de toda uma discussão que ocorrerá nos debates pós-semana, através de Sergio Buarque de Holanda, Manuel Bandeira, Oswald de Andrade entre outros”

 

Como bem frisou a grande especialista Maria Eugenia Boaventura, a Semana de 1922, salvo evidentemente as proporções, firma-se quase como um projeto iluminista, comandado por uma aristocracia paulista e carioca contra uma aristocracia europeia. Esse processo de atualização estética e fuga do academicismo, a partir de um movimento de desconstrução no sentido de Jacques Derrida, repercutiu e ainda repercute nas pesquisas de linguagem e em novos modos de pensar a arte brasileira.

 

“Como vestígio das sementes que foram plantadas na Semana de 1922, poderíamos inclusive inserir grande parte da poesia e da prosa regionalista e também da poesia concreta, no sentido da intensificação dos elementos visuais e sonoros em jogo”

 

O primitivo e o autóctone explorado pelos artistas da Semana de 1922 trazem inevitavelmente uma visão ufanista e um certo patriotismo. Todavia, completamente diferente do primitivismo/nacionalismo de um José de Alencar, por exemplo. As décadas subsequentes à Semana de 1922 foram decisivas para firmar a importância e a verdadeira potência do movimento. A consciência nacional provocada pela Semana de 1922 não pode ser separada do projeto artístico, aqui, arte e política dialogam initerruptamente. A Semana já nasce histórica porque ela nasce no entre guerras: Primeira Guerra Mundial 1914-1918 e Segunda Guerra Mundial 1939-1945. Nesse sentido, pela primeira vez na história do Brasil alinha-se, a partir das discussões travadas aos problemas nacionais, à crise que gerou a fase de industrialização e às transformações dos valores em voga, o efetivo desejo de se pensar a partir do dentro e não do fora. 

 

“Experimentar, nesse contexto, significa modificar não só os temas até então eleitos, mas os padrões da língua morfologicamente, sintaticamente, incorporar a linguagem falada à escrita, adotar o verso livre e a função subjetiva do pronome se. Parafraseando Maiakovski quando dita que não existe conteúdo revolucionário sem forma revolucionária”

 

Esse novo modo de ver o mundo ainda que bastante influenciado pelas vanguardas francesa e russa, traz uma profunda reflexão sobre o espírito nacional, uma etnografia do índio e do negro. Para Antonio Machado um verdadeiro “nacionalismo pitoresco”. O desvio, a liberdade criativa e a atitude antiparnasiana abrem espaço para outros movimentos importantes como o Pau Brasil, o Verde-Amarelo e o Movimento Antropofágico. Ou seja redes de contaminações, agenciamentos e dispositivos que dialogam diretamente com os materiais e as ideias trazidas pela Semana de 1922.

 

“A Semana, dentro dessa perspectiva, possui várias ramificações que vão do mitológico ao conceitual, seu marco está referendado em um conjunto de obras e figuras consolidadas ao longo desses cem anos. Há de se perceber as ramificações que extrapolam o eixo Rio e São Paulo e penetra no Sul e no Nordeste do país, reconfigurando o campo das possibilidades criativas, através de um processo que envolve simultaneidade, condensação e justaposição”

 

Do Atonalismo, expressado por Antonio Candido, à dissonância e à improvisação que encontramos no Jazz, à modernidade expressa em um Murilo Mendes, Manuel bandeira e Jorge de Lima, as influências definem-se por um estilo aprimorado de investigação que passamos a reconhecer nos grandes escritores como Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa, João Cabral de Melo Neto e em artistas de peso como Hélio Oiticica e Lygia Clark.

 

Logo, a Semana de 1922, em seu centenário, marca um processo de amadurecimento de questões estéticas e identitárias diretamente ligadas à mentalidade brasileira e aos seus diferentes e contraditórios modos de emancipação.   

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